Buchada de Bode

Isso mesmo!! Comi buchada de bode, acompanhada de "quadradinhos de sangue"!!!
Por indicação da Eva, fui em um restaurante especializado em comida caseira cearense, Naim, que fica lá na Vila dos Estevãos, fora do circuito turístico. A Sandra que é proprietária e cozinheira tem mãos de fada, além de ser uma pessoa muito especial que adorei conhecer. Ela tem muito orgulho de sua arte e quando fui agradecer na cozinha me fez provar um pouquinho dos outros pratos e me convenceu que amanhã vou comer baião de dois.Lógico que vou!
Comi buchada de bode e moqueca de arraia!! Adorei!!
O maridão ficou no filé de frango e só não vomitou porque quando eu comia os quadradinhos de sangue ele virava o rosto e imaginava que era gelatina de uva! Sério, foi ele que contou...
O "quadradinho de sangue" nada mais é do que o sangue do bode ou carneiro que é misturado a um coagulante para ficar durinho e depois é cortado em pequenos pedaços e posto no cozido da buchada.
Para entender a buchada é preciso ver a foto (mas esta o maridão ainda tem que revelar...). Em resumo é o  bucho do bicho que é recheado com todos os miúdos refogados e bem temperados. Bem recheada é fechada com linha e fica como um balão de aniversário ... não se assustem, o gosto e o cheiro são fortíssimos, mas eu amei o sabor e gostei até mesmo do sangue coagulado.
A moqueca estava divina! Nunca tinha comido arraia e achei parecido com siri. O que deixa o sabor especial é que não vai azeite de dendê (gosto, mas acho que rouba o sabor de todo o resto) mas sim coco fresco, colhido no quintal, além dos tradicionais cebola, tomate e coentro.
***
Fui na D. Teté (sei que ontem escrevi tatá, mas o Leo me disse o nome errado) e fiquei um tempão conversando com esta senhorinha de 94 anos que passa os dias a fazer labirinto com olhos e mãos mais firmes do que as minhas. Ela está fazendo uma toalha pequena de 1, 50 x 1,10 aproximandamente, que vai lhe tomar seis semanas, isso mesmo seis semanas de trabalho e vai vender por R$ 150,00...
Seis semanas de trabalho e vai ser vendida por R$ 150,00, sem contar o custo do material...
Tem algum problema nesta conta, ou não?
Mas é isso ou ser contratada por R$ 5, 00 o dia fazendo labirinto...
Infelizmente estou com o dinheiro contado, então comprei apenas uma toalhinha de bandeja.
Ela queria me ensinar a fazer labirinto, mas é beeeem difícil e não dá não para aprender em duas tardes!
D. Teté não teve filhos, apenas criou os sobrinhos, "apenas para dar trabalho". Hoje moram três com ela na casa simples e sem móveis além do estritamente necessário. Seu atelier é sua varanda, onde senta em uma cadeira de plástico e apóia o bastidor enorme em outra. E lá fica trabalhando em companhia da sobrinha, que não é muito mais nova do que ela. Olhando a rua e os buggys barulhentos, me contou de uma época em que não existiam casas em frente da sua e ela e suas irmãs faziam labirinto embaixo de uma árvore e juntava gente para ver...
Me contou que quando elas morrerem não existem outras mulheres que saibam fazer labirinto porque as moças não querem aprender... é muito demorado e não paga o trabalho, segundo suas próprias palavras.
Quando lhe disse que gostava de bordar, respondeu que bordar era muito difícil e que ela não dava pra isso não... tá bom D. Teté, vendo suas toalhas de banquete fica difícil acreditar em sua modéstia.
Volto com a D. Teté quando o Leo revelar as fotos (só eu mesmo para esquecer a câmera digital!).
***
Conheci o Seu Eduardo, de 78 anos que me contou um pouco da história da Vila dos Estevãos. Figura ótima.
***
E sem querer topei com um projeto especialíssimo, uma instituição que recebe as crianças e suas mães no contra-turno das aulas. Enquanto as mães apreendem artesanato e produzem peças que são vendidas, as crianças recebem reforço escolar, brincam, tem aulas de futebol, capoeira et...
Fiquei encantada e muito emocionada com o que vi lá e tive a certeza que o artesanato pode dar rumo à muitas vidas, pois atrai as mães e as envolve em um projeto que é benéfico aos filhos.
Volto a falar no assunto.
***
Eu sou uma apaixonada por pessoas. O Leo brinca que eu faço um trabalho sociológico em todas as nossas viagens... e ele aproveita e faz retratos lindíssimos dos meus amigos, normalmente senhores e senhoras idosos com quem adoro conversar por horas a fio. Se não é o Leo a me puxar era capaz de ainda estar na D. Teté aprendendo o labirinto ou na Sandra, aprendendo a fazer buchada.
Mas eu gosto de ouvir as histórias de quem já viveu muito e é depositário de tradições populares que estão, aos poucos, morrendo por falta de aprendizes.
A vida pode ser tão boa com tão pouco.
Quer tentar? Abra um sorriso, se apresente, peça para entrar e puxe uma cadeira... ouça o que as pessoas tem a lhe contar sobre a vida.
Eu não preciso mais do que isso para ser feliz.
***
Amanhã vamos andar de jangada com o Edinho, aquele pescador que conheci ontem.
***
Tô cada dia mais viciada em caipifruta de cajá...
***
Beijocas